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Ensino Superior em Portugal: que futuro? PARTE I
Por Tânia Galeão (Professora), em 2013/05/23349 leram | 0 comentários | 181 gostam
Num país onde está instalada uma grave crise económico financeira, qual será o futuro da educação portuguesa?
Desde que Portugal se vê assombrado por uma enorme crise económico-financeira, e da entrada em 2011 da Troika no nosso país, que toda a população e todos os setores de atividades económicas, estão sujeitos a pesadas medidas de austeridade. O setor da educação não é exeção. Centramos então, esta notícia no Ensino Superior, que tem sido alvo de pesadas medidas impostas pelo governo, desde os pesados cortes que têm sido feitos neste ensino, até ao valor tão elevado que as propinas atingiram. Mas o que pensam os estudantes universitários de toda esta situação? O que fazem para se manifestarem? Será que ainda são ouvidos?
Há cinquenta anos atrás vivia-se num regime opressivo, marcado pela ditadura de Salazar, e deu-se em 1962 uma crise académica. Os estudantes manifestaram-se contra o regime em que viviam e contra o facto de Salazar ter proibido a comemoração do dia do estudante (24 de Março). Esta crise durou vários meses com greves às aulas, prisões de estudantes e manifestações. Nomeadamente em Coimbra, reuniu-se a 9 de Março de 1962, o I Encontro Nacional de Estudantes, que apesar de ser proibido deu origem à formação do Secretariado Nacional de Estudantes, e ao abalo do Regime.
Tais factos aconteceram em 1962, quando se vivia em pleno Estado Novo, um regime ditatorial, onde a liberdade não existia, mas os estudantes portugueses, manifestaram-se contra o regime e lutaram pelas suas reivindicações. É neste sentido que entrevistamos três estudantes do curso de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra, para dar a conhecer a sua opinião sobre o atual estado do Ensino Superior, e a forma como estes se tentam fazer ouvir.
1- Qual a sua opinião relativamente ao ensino superior atual, tendo em conta as políticas aplicadas pelo Governo?
Ricardo Formiga: Nos dias que correm o ensino superior atual está em risco, pelo menos o ensino superior público. Este deve ser tendencialmente gratuito como está presente na constituição portuguesa, mas todos os anos o valor das propinas aumenta e muitos dos apoios de acção social como as bolsas de estudo, ou como as cantinas universitárias são cada vez mais escassas. Cada vez mais estudantes vêem-se obrigados a deixar os estudos por impossibilidade financeira, renunciando aos seus sonhos profissionais. Vários colegas meus já tiveram de o fazer. Sinto-me privilegiado por poder continuar a estudar, visto que actualmente estudar é um luxo.
Roberto Sequeira: Num contexto de deflação económica num estado que é consagrado de providencia, as primeiras iniciativas são esvaziar o poder do estado tornando-o mínimo. Portugal não é excepção. Desde o início da generalizada crise bancária, o sector da educação é um dos que tem vindo a sofrer um grande desinvestimento. Este poderá comprometer a continuidade de algumas Universidades, bem como dos serviços sociais que delas dispõem. Além disso, a tendencial gratuitidade do ensino é colocada em causa cada vez que se apresentam cortes. O ensino aos poucos torna-se um privilégio só para a minoria e a privação do conhecimento torna-se imperativo.
2- Neste momento os estudantes universitários para frequentar o ensino superior pagam valores de propinas nunca antes cobrados. Quanto paga de propinas? De que modo este valor influência a vida dos estudantes universitários?
Ricardo Formiga: Neste momento pago 1057,20€ de propinas. Mas o custo real de estudar não é esse, é muito superior. Ao valor das propinas os estudantes têm de acrescentar valores de alojamento, transportes, alimentação e também de aquisição de manuais/fotocópias da matéria leccionada. Estimo que por mês deva gastar cerca de 400€ em todas estas despesas acrescentadas. (…)
Roberto Sequeira: (…)Num total pago 1051,20€ de propinas, fora o alojamento e respectivas despesas alimentares. É um esforço muito grande. Felizmente tenho a possibilidade de poder usufruir deste privilégio. Muitos colegas, possuem pais desempregados ou a receber o ordenado mínimo. Grande parte dos rendimentos não acompanham a taxa de inflação, assim sendo pagar os estudos, alojamento e alimentação torna-se insustentável para algumas famílias. Existem muitos estudantes a abandonar o ensino superior para assim poderem sobreviver. Lamentável na minha opinião. Mais do que nunca deveríamos de ter um Estado protector através de um maior investimento nos baluartes principais da sociedade.
3- Sendo visível que o Governo tem tomado várias medidas consideradas pela opinião pública “ataques” aos estudantes, de que modo se manifestam?
Ricardo Formiga: Devido aos constantes "ataques" aos estudantes estes manifestam-se das mais variadas formas, quer seja através da expressão artística ou do uso da palavra e dos seus direitos. Alguns estudantes universitários de Coimbra até criaram uma plataforma chama-da de "Universidade contra a Austeridade", sem qualquer vínculo político com qualquer partido e têm como a sua principal função defender os estudantes em tempos financeiramente auste-ros.

 Roberto Sequeira: (…) Os estudantes como força social ainda têm o peso que tinham nos tempos de repressão, até porque são a massa critica e de conhecimento da sociedade. Não ficando alheios às dificuldades, os estudantes fazem ruido nas ruas para se fazer ouvir as suas reivindicações. A AAC esteve envolta nas ultimas maiores manifestações, realizando inclusive manifestações não conjuntas com centrais sindicais. A manifestação e o descontentamento são generalizados, digo isto pois vemos alunos do secundário a partir para manifestações devido à falta de investimento do estado. De salientar que uma forma de luta tem passado por termos legais através de petições publicas, sites de denuncia de quem perdeu a bolsa ou deixou de estudar. Em alguns casos também temos a paralisação do ensino. Estando também os funcionários publico em consonância com as nossas reivindicações.(…)

4-Nas crises de 62 e 69, os estudantes manifestaram-se de forma mais agressiva, num contexto de repressão. Tendo em conta o clima democrático em que vivemos como avalia as atuais manifestações? Considera que ainda é possível revitalizar o espírito de união e luta característicos dos estudantes de capa e batina de Coimbra?
Ricardo Formiga: Usar capa e batina em Coimbra significa vestir uma cidade. É um orgulho carregar aos ombros 723 anos de história de uma universidade, que literou Portugal e que moldou todo o ensino português. Capa e batina representa também uma academia que sempre esteve presente na contestação social portuguesa, com a sua maior importância nas crises de 62 e de 69. O que acontece actualmente é que essa mesma academia está corrompida por diversos interesses, principalmente políticos. Os seus dirigentes estão rendidos ao “tachismo” e não ao associativismo como seria de supor, mas, mesmo assim ainda existem muitos estudantes que mantém vivo o espirito contestador da academia. Em Assembleia Magna foi até votada a proposta de luto académico, mas foi recusada massivamente com a existência do clássico cacique político. (…)
Roberto Sequeira: Os tempos de 62 e 69 exigiam uma intervenção mais “agressiva” por parte dos estudantes. Até porque era necessário rasgar o contrato imposto pelas forças fascistas e partir para desobediência civil. Hoje não assistimos a momentos de tensão mais elevada por parte dos estudantes. De forma mais democrática e mais pacifica fazemos ouvir as nossas vozes, pugnando por mais investimento. Nos tempos de austeridade, o pensamento felizmente não recebe cortes. Os estudantes tomam cada vez mais consciência do panorama nacional e começam a investir mais na vida activa. Mais do que nunca, a união e as reivindicações começam a encontrar a força que tinham nos anos da ditadura. Assim, acho que é possível revitalizar o brio da luta estudantil que inclusive tem renascido.
5-Achas que as manifestações valem a pena?
Ricardo Formiga: Vale, nem que seja apenas para recordar que vivemos numa democracia. O povo está descontente, e as manifestações servem para mostrar aos governantes que o povo está atento. São a figuração do seu direito e da sua soberania e portanto valorizo muito a sua existência e a sua frequência.

Roberto Sequeira: Sou a favor de manifestações. Nestes tempos as manifestações fazem todo o sentido. Num mundo democrático as manifestações valem sempre apena. Pois a balança de poderes reside na população. Com a intervenção dos estudantes o governo recuou em algumas iniciativas que poderiam ser nefastas para o ensino. Isso é uma prova que valem a pena. Como diria um poeta e distorcendo as suas palavras “vale sempre a pena quando a academia não é pequena”.

6-Visto estar no 1º ano do curso de Relações Internacionais, como vê o seu futuro em Portugal?
Ricardo Formiga: (…)Portugal encontra-se numa espiral de recessão e as políticas aplicadas têm o resultado contrário ao que realmente deveriam ter. Por este caminho não vamos lá. Emigrar é cada vez mais uma opção, ainda para mais num curso focado no estrangeiro. Penso que as políticas aplicadas devem fomentar a educação e o crescimento económico para que uma geração literada consiga aplicar os seus conhecimentos. Quem sabe se o fôssemos não seríamos um país numa situação estável e que respondia às necessidades dos indivíduos. Cada vez mais tenho amigos que me dizem que querem emigrar assim que acabem a sua licenciatura ou mestrado, isso entristece-me porque penso que este país à beira-mar plantado tem muitas qualidades e capacidades.

Roberto Sequeira: (…)Eu adorava ser professor no ensino secundário e sinto desmotivação por ver o elevado número de professores desempregados. O futuro é nosso, hoje podemos realizar acções e inverter a situação e ter um futuro mais risonho.

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