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Jornal da Escola Secundária de Amora
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O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós
Por Alunos Mmnm (Aluno, ...), em 2013/12/09575 leram | 0 comentários | 152 gostam
Eça de Queirós (Póvoa do Varzim,1845 - Paris, 1900) foi um dos mais importantes escritores portugueses, destacando-se pelo retrato irónico da sociedade do século XIX. As suas obras mais famosas são O CRIME DO PADRE AMARO, O PRIMO BASÍLIO e OS MAIAS.
" Abominava então todo o mundo secular - por lhe ter perdido para sempre os privilégios: e como o sacerdócio o excluía da participação nos prazeres humanos e sociais, refugiava-se, em compensação, na ideia da superioridade espiritual que lhe dava sobre os homens. Aquele miserável escrevente podia casar e possuir a rapariga — mas que era ele em comparação dum pároco a quem Deus conferia o poder supremo de distribuir o Céu e o Inferno?... — E repastava-se deste sentimento, enchendo o espírito de orgulhos sacerdotais. Mas vinha-lhe bem depressa a desconsoladora idéia que esse domínio só era válido na região abstrata das almas; nunca o poderia manifestar, por atos triunfantes, em plena sociedade. Era um Deus dentro da Sé - mas apenas saía para o largo, era apenas um plebeu obscuro. Um mundo irreligioso reduzira toda a ação sacerdotal a uma mesquinha influência sobre almas de beatas... E era isto que lamentava, esta diminuição social da Igreja, esta mutilação do poder eclesiástico, limitado ao espiritual, sem direito sobre o corpo, a vida e a riqueza dos homens...
O que lhe faltava era a autoridade dos tempos em que a Igreja era a nação e o pároco dono temporal do rebanho. Que lhe importava, no seu caso, o direito místico de abrir ou fechar as portas do Céu? O que ele queria era o velho direito de abrir ou fechar a porta das masmorras! Necessitava que os escreventes e as Amélias tremessem da sombra da sua batina... Desejaria ser um sacerdote da antiga Igreja, gozar das vantagens que dá a denúncia e dos terrores que inspira o carrasco, e ali naquela vila, sob a jurisdição da sua Sé, fazer estremecer, à ideia de castigos torturantes, aqueles que aspirassem a realizar felicidades — que lhe eram a ele interditas; e pensando em João Eduardo e em Amélia; lamentava não poder acender as fogueiras da Inquisição! — Assim aquele inofensivo moço tinha durante horas, sob a excitação colérica duma paixão contrariada, ambições grandiosas de tirania católica: — porque todo o padre, o mais boçal, tem um momento em que é penetrado pelo espirito da Igreja ou nos seus lances de renunciamento místico ou nas suas ambições de dominação universal: todo o subdiácono se julga uma hora capaz de ser santo ou de ser papa: não há seminarista que não tenha, durante um instante, aspirado com ternura à caverna no deserto em que S. Jerónimo, olhando o céu estrelado,sentia descer-lhe sobre o peito a Graça, como um abundante rio de leite: e o abade pançudo queà tardinha, à varanda, palita o dente furado saboreando o seu café com um ar paterno, traz dentro em si os indistintos restos dum Torquemada."

QUEIRÓS, Eça de, 1875.
O Crime do Padre Amaro, Círculo de Leitores


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