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Uma segunda chance
Por Cristina Machado Severo (Professor), em 2020/11/02272 leram | 0 comentários | 67 gostam
Em março, a Professora Doutora e escritora restinguense, Elaine dos Santos, gentilmente, foi até as dependências da Escola Dezidério Fuzer para conceder uma entrevista sobre sua história de vida em Restinga para a turma do sexto ano.
Minha mãe contava que estava chovendo e eu nasci às quatro da tarde... Desde o início com tudo para ser preguiçosa. Eu trouxe a lembrança de meu batismo, praticamente não se vê o que está escrito, mas foi dia dois de abril de 1964, o padre era Darci Fernandes. O meu padrinho foi o mesmo médico que fez o parto, doutor Francisco Giuliani. Eu falo muito, meu pai dizia que eu falo mais que o guri do leite quando o guri do leite estava bêbado. Fiz minha primeira comunhão dia 17 de novembro de 1974. O bispo era Dom Ivo Lorschaiter. Trouxe a bíblia que minha mãe comprou quando fiz minha primeira comunhão. Eu recebo visita de pessoas de várias religiões, que estão evangelizando, e eles pedem para ver a minha Bíblia e eles ficam admirados que a minha é mais completa que a da maioria, por isso, eu trouxe para mostrar. Trouxe um binóculo para mostrar que traz uma foto dentro, tem que fechar um olho e olhar pelo outro para conseguir ver. Era um objeto muito chique... Essas são as palavras de Elaine dos Santos, preocupada em mostrar o máximo possível aos estudantes de seus vastos conhecimentos sobre a história de Restinga, atrelada à sua história de vida. Abaixo, a transcrição da entrevista:
Jornal da DF- Qual o seu nome completo? Elaine dos Santos Minha mãe tinha o sobrenome Kilian, mas eu não assino.
Jornal da DF- Qual é seu local de nascimento? Restinga Sêca, no Hospital de Caridade São Francisco.
Jornal da DF- Jornal da DF- Você lembra de alguma passagem marcante em sua vida em Restinga Sêca? Que fato é esse e por que foi marcante? Minha mãe contava que quando eu tinha 3 anos, nós morávamos perto da Sanga da Restinga e eu caí na sanga. Minha mãe estava lavando roupa e, quando ela viu, eu passei diante dela, levada pela correnteza. Ela se jogou atrás e tentou me pegar, mas não conseguiu. Então, um homem que estava trabalhando na cooperativa, jogou-se na água e conseguiu nos salvar. Assim, o fato mais marcante de minha vida, foi esse quase afogamento na Sanga da Restinga. Por isso, até hoje, digo que amo e odeio a Sanga da Restinga. Outro acontecimento marcante, também contado pelo meu pai, é que, quando ele era solteiro, ele vestia o cachorro com uma bermuda, um cinto, um facão e um par de óculos e ia para a Estação esperar o trem passar. As pessoas achavam graça, tiravam foto... E depois que eu nasci, o cachorro perdeu a vez, e ele me levava para a Estação. Por isso, também tenho um carinho muito grande pela Estação Ferroviária de Restinga Sêca.
Jornal da DF- Como era Restinga naquela época? Restinga mudou muito pouco. Hoje, a novidade são os prédios mais altos. Tinha Fusca, Kombi, Brasília... Hoje, há muitas ruas calçadas.
Jornal da DF- Você percebe semelhanças com a maneira como Restinga é hoje? Sim, a cidade cresce bastante, naquela época, até a Gaudêncio fabricava móveis, vinha bastante gente de fora, ela era mais movimentada. Hoje, ela voltou a ter as características da Restinga pequena de antigamente. Não tem muita oportunidade de trabalho, os bancos, há 30 anos, tinham 30 funcionários; hoje, têm 5. Reduziu a população. Não existe grande diferença. Todo mundo se conheço. Aqui temos o “guri do Gilson”, ele vai estudar lá em Restinga e será conhecido assim. Até hoje eu sou a filha do Mário, eu sou a Elaine, mas eu continuo sendo a “filha do Mário”.
Jornal da DF- Como eram as pessoas, os carros e o trânsito? O trânsito era mais lento, pois havia menos carros, as pessoas sabiam dirigir melhor, porque quando se sai em Restinga, parece que ninguém tirou CNH. As pessoas estão dirigindo na rua, de repente, resolve estacionar e não sinaliza; ou o carro está estacionado e vai sair e também não sinaliza; ou abre a porta do carro como se estivesse no meio do campo. E isso está atrapalhando o trânsito, assim como o clássico estacionamento em fila dupla, que não tinha aqui porque não tinha tantos carros. Entre o Banrisul e a Expresso, não tinha tanto fluxo de carro, hoje, se vai tentar estacionar, entre meio-dia e duas da tarde, não se consegue. Mas naquele tempo, tinha vagas, porque tinha menos carros. Os carros eram mais simples, hoje temos muitos carros importados, que, para mim, são todos iguais.
Jornal da DF- Como eram as construções? As construções eram mais baixas, as portas e janelas mais largas e não tinha veneziana nem persiana. O vidro que ficava à mostra, ou cortinas mesmo, para não se ver para dentro. Hoje, onde se tem o Majestic, era a casa do Seu Poe, o retratista da cidade. Era daquelas casas que se falava em eira, beira e tribeira. Que é uma casa e em cima tinha um detalhe, um recorte. Quem tinha um pouco mais de dinheiro tinha a casa com eira; um pouco mais de dinheiro, tinha a beira... As casas iam se diferenciando. Hoje, essas diferenças não aparecem mais nesse tipo de construção, aparecem nos muros, nas grades. Por isso, existe a expressão, “sem eira nem beira”. E quem tinha muito dinheiro, mesmo, tinha a casa com tribeira. Mas em Restinga, não conheci nenhuma casa com tribeira, somente com eira e beira. Mas muita coisa foi destruída. Na sorveteria Noro ainda se observa a eira e a beira. Próximo à Caixa Federal, tinha uma casa com esses detalhes, mas foi destruída. A casa do padre também tinha... Mas são coisas que vão se perdendo...
Jornal da DF- Como era a vida das pessoas, seus valores e como se divertiam? E gostava de ir a circo, e frequentemente tinha uma circo em Restinga. Palhaço, Globo da morte, Leão. Saímos à noite para ir à sorveteria Noro, à igreja... Mas o “point” mesmo era a Estação. Nos domingos à tarde, passava o trem que vinha de Porto Alegre e ia para Uruguaiana, então, as pessoas colocavam a melhor roupa para ver o trem passar e paquerar. E à noite no verão, também aguardavam para ver o trem que passava à noite. A dona Idalisa contava que quando ela era jovem, quando passava o trem, ele apitava, e todos paravam o que estavam fazendo para irem ver o trem passar. Bala de coco só eram vendidas no trem; maçãs da Argentina só eram vendidas no trem, revistas recentes... Tudo isso era forma de diversão, era sair da rotina. Outro passatempo do verão, era passar no painel da Brigada e falar os sinais de trânsito certinhos para o policial. Televisão, 1974, eu já tinha 10 anos, jogo de carta, dominó, com os pais, vizinhos. A minha mãe olhava para mim e eu já sabia que deveria obedecer, não precisava nem falar, eu tinha muito medo. Minha avó morava conosco, e eu tinha medo dela também. E minha avó tinha uma costume, na lua cheia, de pegar qualquer quantia de dinheiro, fazer uma reza, que não lembro mais, para a lua cheia trazer mais dinheiro. Tinha muita crença popular, benzedeiras. Não se tinha muito acesso à saúde, então, era uma valor essa crença nas pessoas mais velhas para benzer, indicar chás e tratamentos naturais. Ninguém se separava, mas quem era rico, se separava, ia casar no Uruguai, mas continuava casado no Brasil.
Jornal da DF- Quais são suas expectativas para o futuro? Como pensa que vai estar Restinga daqui a 61 anos e como espera continuar contribuindo com a cidade? Defendo muito o Recanto Mastro. Restinga está lá no cantinho, então, eu vejo crescimento daqui de São Miguel em direção ao Recanto. Porque lá está se desenvolvendo. O distrito industrial era para ter saído aqui, mas não saiu porque temeram que São Miguel se emancipasse e Restinga perdesse o Distrito Industrial. A minha expectativa é que Restinga se desenvolva para cá. Eu não vejo muito crescimento para Restinga, pois há poucas indústrias, pouco investimento em turismo. Temos basicamente, comércio. Para existir comércio, tem que ter alguém que compre. E quem compra em Restinga são os agricultores ou quem recebe o Bolsa Família, ou aposentados. Quando a agricultura vai mal, a cidade vai mal. Quem tem filhos e netos, deveria buscar alternativas para Restinga, eu não vejo muito futuro.

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