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TRIBUTO A UM MENINO COM TRISSOMIA XXI
Por Paula Costa (Professora), em 2015/03/17586 leram | 0 comentários | 148 gostam
Uma História Verídica
Quando era menina e moça, tinha um vizinho, o Jorginho, que tinha a Síndrome de Down ou Trissomia XXI.
Eu vivia com a minha família num prédio onde habitavam mais seis famílias. Eu morava no 2.º andar e ele , o Jorginho, no rés-do-chão com a mãe e o pai.
Naquele tempo, os vizinhos conheciam-se e entreajudavam-se. Lembro-me de a vizinha que vivia sozinha com a filha no lado oposto ao nosso, separado pelo patamar das escadas, estar doente e a minha mãe fazer-lhe o almoço e ir levar-lho. Outros tempos! Hoje, nem se conhece quem mora ao lado! Mas voltando ao Jorginho… Ele passava os dias sentado no chão sobre uma manta de trapo (tipo as mantas de Laúndos), sentado “à chinês”, de pernas cruzadas, fazendo movimentos cadenciados para trás e para diante, tendo sempre como pano de fundo a música que saía do rádio, espalhando-se pelo ar. A sala de jantar, frente à grande varanda era o seu lugar preferido. Porquê? Ninguém sabe. Nem a mãe que lhe entendia o mais leve gesto.
Como já atrás referi, a convivência entre vizinhos era diferente da atual. Assim sendo, havia alturas que, dado a mãe do Jorginho não conviver com ninguém em virtude de os meninos e meninas que tinham este tipo de síndrome serem apontados e marginalizados, minha mãe, minha irmã e eu descíamos até sua casa para passarmos um pouco da tarde com eles. Então, a mãe do garoto dizia-lhe que estavam ali as meninas e a senhora do 2.º andar, que o tinham vindo visitar e lembrava-lhe o cumprimento. Ele levantava-se, vinha até nós e dava-nos um beijo húmido no rosto, tipo ventosa e depois parecia cheirar-nos. Era a sua forma de nos conhecer! Quando se cansava, voltava para a sua manta, voltava a repetir os movimentos para trás e para a frente ao mesmo tempo que emitia uns sons estranhos, uns “grunhidos”, que a mãe traduzia, dizendo que era a sua forma de mostrar a felicidade por nos ter ali. Eu não entendia mas acreditava.
Um dia, numa dessas visitas, a mãe confidenciou que o Jorginho gostava do aroma do leite-creme que a minha mãe fazia e que se espalhava pela casa toda e pela escada, chegando até ele. Assim sendo, a partir desse dia, sempre que lá em casa se fazia leite-creme, eu levava um pratinho do doce para partilhar com o Jorginho. Eu ficava radiante e ele, creio bem, ficava muito feliz.
Passaram muitos anos desde essa altura. Muita coisa mudou. E relativamente aos meninos e meninas com Síndrome de Down ou Trissomia XXI tudo mudou para melhor. Já não há vergonha. Já não se escondem as crianças. Elas já frequentam as escolas e conseguem revelar as suas habilidades. Só é necessário haver paciência e grande colaboração entre escola e família. Se fosse hoje, o Jorginho não estaria enfiado em casa e, quem sabe, não teria desenvolvido a linguagem ou outra qualquer habilidade?

Marta Oliveira Santos (professora aposentada)


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