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Jornal do Médio Vale do Paranapanema
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Ser Brasileiro
Por Eleutério Gouveia Sousa (Leitor do Jornal), em 2023/07/0163 leram | 0 comentários | 58 gostam
O gentilício evoluiu durante os séculos...
Seu brasileiro!!
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Brasileiro. Por que não brasilense ou brasiliano?
Está chovendo vídeos no Instagram cujos influenciadores explicam o porquê de o nosso gentílico ‘brasileiro’ não ser formado com sufixos mais comuns como -ense (como o de canadense, nicaraguense, paranaense e maranhense), -ano (australiano, boliviano, pernambucano e sergipano), -ês (chinês, inglês, francês e senegalês), -ino (argentino, filipino, marroquino e palestino) ou -enho (costa-riquenho, salvadorenho, hondurenho e panamenho).
O que dizem é que ‘brasileiro’ surgiu como profissão e que o sufixo -eiro denota isso. Assim como o padeiro trabalha com pão; o sapateiro, com sapato; o leiteiro, com leite; o garimpeiro, com garimpo; ̶o̶ ̶t̶u̶i̶t̶e̶i̶r̶o̶,̶ ̶c̶o̶m̶ ̶t̶u̶í̶t̶e̶;̶ o brasileiro era quem, no Brasil Colônia, trabalhava com a extração do pau-brasil. É isso, Brasil?
É por aí, mas não é tão simples assim, nem exclusividade dos nascidos no Braisl. Vale lembrar que há outros (poucos) gentílicos que também possuem o sufixo -eiro como mineiro (de Minas Gerais), campineiro (de Campinas-SP), pantaneiro (do Pantanal), jacarezeiro (de Jacaré dos Homens-AL), iporangueiro (de Iporanga-SP), redondeiro (da vila Redondo, Portugal) e santiagueiro (de Santiago de Compostela, Espanha).
 Bem, mas veja como nossa etimologia é mais maneira! (‘Maneiro’ trabalha com mano?)
Desde o século XIII, os europeus conheciam uma árvore asiática, a ‹Biancaea sappan›, cuja resina vermelha era usada como corante. Vermelha como brasa, seu nome vulgar, em português, era ‘brasil’.
Tão logo os lusitanos por aqui chegaram, em 1500, já descobriram que a ‹Paubrasilia echinata› poderia substituí-la – afinal, são espécies da mesma subfamília. Então, o que os tupis conheciam como ‘imbirapitanga’ (pau vermelho), os portugueses chamaram de pau-brasil (‘brasil’, de ‘brasa’). A extração do pau-brasil se iniciou já em 1501.
Os portugueses até rebatizaram a terra recém-invadida com Terra de Santa Cruz, mas, lá por 1530, nossa região era popularmente conhecida como ‘Terra Brasilis’, a terra dos paus-brasis.
Daí para frente, o povo que aqui viva, especialmente a população indígena, era chamado de “os brasis”. Logo em seguida, assumimos os gentílicos com sufixos clássicos; éramos “os brasílicos”, “os brasilianos”, “os brasilenses” e “os brasilienses” – este último designa hoje os nascidos na cidade de Brasília.
Já no século XVI, o termo ‘brasileiro’ surgiu. Inicialmente, era o nome da função dos portugueses que se ocupavam na extração do pau-brasil. Vemos aí o sufixo -eiro denotando a atividade do sujeito. Tão logo no seu aparecimento, ‘brasileiro’ apareceu já como uma palavra altamente pejorativa, praticamente um xingamento. Os tiradores de pau-brasil eram, geralmente, homens criminosos banidos de Portugal. Ninguém queria ser chamado de ‘brasileiro’.
Esse “insulto” assim permaneceu por décadas e décadas. Numa fala muito curiosa, o próprio Dom Pedro I, antes da independência do Brasil, segundo o relato de seu conselheiro, o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, comentou: “As Cortes me perseguem, chamam-me, com desprezo, de Rapazinho e de Brasileiro”. Eita!
Acontece que, muito antes da época da independência, em meados do século XVII, o tráfico de pau-brasil diminuiu (já não era mais tão rentável) e o termo ‘brasileiro’ foi deixando de ser depreciativo. O frei Vicente de Salvador, considerado o primeiro historiador brasileiro, foi também o primeiro a tratar o nascido no Brasil como ‘brasileiro’, na sua obra “História da custódia franciscana do Brasil”, na década de 1600.
Entre 1821 e 1822, o jornalista Joaquim Gonçalves Ledo, no periódico ‘Revérbero constitucional’, que pregava a independência do Brasil, usou e assim popularizou ‘brasileiro’. Esse novo uso para a palavra se consolidava junto a uma gradual formação de identidade nacional. O brasileiro já se via como ‘brasileiro’. Tanto foi que D. Pedro I, no andamento da independência do Brasil, já passara a empregar o gentílico com orgulho: “Brasileiros, a nossa divisa, de hoje em diante, será Independência ou Morte!”
Assim foi, bem resumidamente, o processo de ressignificação da palavra ‘brasileiro’. Bom, mas se você for um daqueles chatos que censuram as palavras por conta de sua origem, deixo a questão do ‘brasileiro’ para lhe ser avaliada. Quem sabe prefira os termos ‘brasilense’ e ‘brasiliano’, que ainda são abonadas pelos dicionários. 🤷‍♂️
📚 Referências: ‘‘Brasileiro’, a palavra, já nasceu pegando no pesado’, por Sérgio Rodrigues, na revista ‘Veja’ (abr. 2013); e ‘Brasil e brasileiro: origens das palavras’, por Laércio Becker, na página ‘Webartigos’ (abr. 2015).
📸 Figura: ‘Terra Brasilis’ (1519), do Instituto Cultural Banco Santos (2000).


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